não esqueço da marmita e das panelas que ela me poupava de lavar. grande diferença. depois de sair duma casa em frente ao joquey para ir morar numa kitchnete grande diferença faria não lavar panelas, panelas e uma gordura pegajosa e as marmitas de alumínio trago na memória assim como as dores da menstruação bloqueada, as cólicas insuportáveis naquele banheiro pequeno que eu não queria estar, nada seria esquecido, as vistas do pai aos fins de semana, de passagem para a sua fazenda a ser vendida anos depois em troca de uma baiana do espírito santo, santinha só no nome. e nada seria esquecido nem a estátua da praça junto às putas que até hoje se bancam alí, e os travecas, assim como a roupa rasgada da emnpregada que nos serviu por dezoito anos, desde o meu nascimento até a mudança da casa grande, casa desocupada, casa que eu devo ter recebido de presente para que soubesse que não era para sempre, casa que não se sustentou como lar, dado o peso das ilusões e desilusões de um casamento anos cinquenta, de uma mãe crítica cumprindo àrevelia o seu papel de um pai ausente, delirante, sonhador, em outras palavras um maluco de verdade, mesmo com profissão e salário a jogar para o alto, como eu servindo ao exemplo, obediente joguei o que tinha de dinheiro e tempo para o nada, sem peso, sem culpa, ele a fazer negócios em toda a vida, sem se importar com as pessoas envolvidas, não é à toa admirador de hitler, e outros seres abjetos, outro dia me confessou, nas suas confissões a gente não entra, a gente ainda serve de ouvidos, noutros tempos diz que lía sartre, joseph campbell, não importa ele não sabe de sí e nem o que fala. eu fiquei foi mais com o vazio daquela casa, os móveis desocupados, os sofás na salas, o reflexo das persianas no teto do quarto e por isso eu me importo de lavar minha roupa porque ainda tenho aquela lavanderia em minha memória, as portas basculantes, mas eu não sabia que seria castigada pelo destino e teria que viver sem que ninguem, ao fazer meu alimento, compartilhasse o presente de existir, pois o que recebo é frio, é a ironia distante, a quase falta de amor e hoje quase me queimo de novo, queimo os pés com a água do macarrão e nada me tira da cabeça que eu tenha sido o agente consciente dessa queimadura a menina que queria ter sido mimada que queria receber o macarrão escondido da empregada, ou de estar no colo da mãe ou do pai, que eles tivessem tempo para o carinho que eu precisava e então eu, aqui, de onde estou, evjo o horizonte de prédios e vejo também o sol, a luz do dia, não saio mais de casa, fico com a sensação de ter vindo parar num lugar predestinado, num lugar onde eu pudesse extrair todo o ódio das entranhas, e em contrapartida pudesse guardar para mim um contentamento secreto. a casinha de brinquedo onde eu isolada dos irmãos fazia meu mundo, onde eu ao menos tinha meu fogão e minhas aranhas
( como agora as baratas ) a me aterrorizar e a me acompanhar, porque eu penso hoje que é possível que eu me aterrorizasse da presença real já que a solidão normalmente era a minha única e mais frequente companheira. eu fazia bolos, e afastava os homens como agora. eu dormia no chão, ao lado da cama, como agora. eu esperava a chegada do homem, como agora. a casinha amarela pegou fogo aos dezoito anos, os eucaliptos chegaram mais perto do que deveriam, não soube na hora, talvez depois no meio de uma conversa, disseram, se lamentaram, mas não avisaram, não se lembraram como quando meu avê morreu e ouví sussurros das irmãs se aprontando para o enterro. eu fiquei jogando com o irmão caçula, distraída de mim, não pude experimentar a dor nem a alegria em grupo. a cabana era dos meninos, o banheiro das meninas, dentro dos quais eu nuncame encaixava, até hoje minha mãe comenta de lembranças de quando eu nem havia nascido, como se a lembrança do fato fosse maior que minha existência, dura de lembrar,minha existência.
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