sexta-feira, 24 de julho de 2009

escrita /um exercício de melancolia

Hoje lí uma matéria de andré laurentino no guia de sexta do estado. achei bacana ele falando de sua perspectiva toda própria de quem veio de recife, comentando as descobertas e dos pequenos luxos que se aprende em são paulo, o pistache, o caviar, e que confesso aqui, quem não passou pela situação de quem pela primeira vez comeu caviar e não gostou? eu compartilho da mesma opinião, pistache sim, caviar não. ele é ótimo, suas frases como que singelas sugerindo sempre um riso meio escondido, uma gargalhada à espera. então pensei que escrita é um pouco isso, ås vezes, um pequeno exercício em que se volta para um pequeno ponto e alí se fica esmiuçando como se fosse também um pequeno exercício de melancolia, mesmo que neste caso, uma melancolia produtiva, em que se associam idéias e vislumbres à situações por vezes deveras comuns e banais. E quanto mais banais, eu penso, até mais interessantes, porque tenho visões maravilhosas enquanto cozinho, dirigo, lavo loça, desenho, brinco com filhos, ou seja, enquanto simplesmente vivo. A escrita é um espaço em que a gente meio que se permite a suspensão e se detém nela. Fica alí, repensando, retesando, revivendo, refletindo. Então a escrita é também uma demora. Então resolví fazer algo mais além de chegar em casa. Resolví escrever isto.



abro a porta do meu apartamento. é um mundo que se abre e outro que se fecha. a vizinha está em casa, pois escuto um som de televisão ao lado ao entrar em meu apartamento vazio. Vem uma vontade alegre de dizer cheguei para mais alguém além de mim mesma. Ao mesmo tempo, ao abrir minha porta me vem o alívio, meu mundo aqui se encerra mas também ao fechar vem junto um certo desespero, pois um mundo aqui se encerra e eu não quero me isolar nele. Então ligo o computador, checo minha caixa postal, abro o facebook, entro no orkut e o mundo pequeno se abre de novo. Talvez se pudesse tocar no vizinho e convidar pra um cafezinho com o pão fresquinho que acabei de trazer, talvez se eu pudesse aliviar a solidão da sua tarde em frente à tv, não precisasse de internet tão insistentemente. Ou se eu soubesse que ele , digamos que meu vizinho fosse uma pessoa amiga, que quando ele fizesse aquela sopa nas noite frias que não se esquecesse de me oferecer, de me convidar, ou até que fizessemos juntos. Recentemente fiz uma viagem e me alojei em albergues, onde bem timidamente aprendí que autonomia não quer dizer afastamento. E aprendí a fazer pão. O seu cheiro exala até o andar térreo, eu aposto, e quando ele sai tenho vontade de alimentar o bairro inteiro. Fazer pão para sí própria é assim quase uma heresia, parece que o pão já nasceu para ser compartilhado. Produzir um jantar para um só, que coisa bacana e entediante. E é isso que hoje ao sair bem cedo pra comprar um bom pó de café ao sentir o cheiro bom do café vizinho exalar, pensei, nisso há uma mensagem. Avizinhança e a solidariedade são moedas raras, coisas de outros tempos, de gente antiga. Coisas que ainda estão amenizadas pelo hábito de dizer, vamos tomar um café a qualquer hora, quase sempre não realizados, agora que a gente se liga o tempo todo em mil conexões porque se recusa ao contato com quem está alí tão próximo. Então é um tal de manter a privacidade, de mal se olhar, mas que basta entrar em qualquer tela, seja tv ou computador para se ter uma intimidade escancarada e aí sim parece que pode se escarafunchar a vida alheia, inventar a sí mesmo e alimentar fantasias, porque sempre recuados os valores mais comuns de reais solidariedades e de reais amizades. Eu mesma, de um casamento de mais de dez anos, tenho como meio de contato apenas o e-mail ou celular.E olhe lá. Entre nós não há conversas, perda de tempo, não se tem contato real, vai ver que foi tudo uma ilusão, hoje que é tão fácil a fabricação de ilusões muito rapidamente. E não é ( tão só) o rancor de uma vida mal vivida, é mais um dar-se conta de que pode ser assim também, pode-se viver sem o diálogo, pode-se viver conectado mas também distanciado. Aliás, acredito que talvez agora sobrevivamos de contatos que se tocam muito ocasional e levemente, cada vez com menos profundidades desnecessárias. Agora escuto o abrir e fechar de portas do vizinho, e agora quem está aqui dentro sou eu. Imagina que estranho se rompo o silêncio e abro minha porta para dizer um olá como vai ? Faço isso outro dia, quem sabe, não quero atrapalhar, a pressa, o tempo. E hoje minha mãe se lamentava que ninguém vai à casa dela, que todos hoje em dia tem suas coisas, e que ela entende mas sente muto que seja assim. Fui até lá e almocamos juntas. E olha que eu não tenho setenta anos como minha mãe. Talvez tenha oitenta.

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